Evangelho em prosa: Chamados para fora

Penso que uma das principais diferenças entre o chamado de Cristo e o chamado da religião é o sentido da caminhada. Enquanto Jesus nos chama a caminhar para fora, a religião nos chama para dentro. Vendo nos evangelhos como Jesus se movia de um lugar para outro, deixando-se levar ao sabor do Vento, é impossível imaginar que Ele tenha sonhado em ver seus seguidores reclusos às paredes do templo. A Igreja, para Jesus, raramente acontecia em um ambiente fechado. A realidade se dava lá fora, onde todos podiam se achegar e participar.

Hoje, muito pelo contrário, convencionou-se chamar “igreja” aquilo que acontece no templo. A reunião religiosa assumiu o lugar da Vida que acontece no percurso, no caminho da existência. E a inclusão do Amor de Cristo, tão vista nos evangelhos, foi substituída pela exclusão que muitas vezes é feita pelo “cristianismo institucional”.

O Amor de Cristo subjuga qualquer lei. Ele não tinha medo da opinião religiosa quando precisava agir em favor de qualquer pessoa. Ele sabia que apenas o Amor é capaz de curar as feridas da Vida. Mas o caminho da instituição “igreja” por vezes é oposto. Condenar o próximo pelo seu erro, observando a situação à distância, é o que mais acontece. Raros são os que estão dispostos a sofrer a dor do outro, como Jesus fez. Com isso, os que foram chamados para fora cada vez mais se enclausuram no ambiente interno da religião, onde sobra pouquíssimo espaço para o Amor.

Somente a consciência da Graça e do Amor de Deus é capaz de mudar o rumo da “igreja”. Entender que o Amor dEle veio antes de qualquer atitude humana é essencial para acabar com todo senso de justiça-própria. O moralismo cristão, que aponta o dedo e condena, só pode ser vencido pela consciência do Amor escandaloso que está sobre cada um de nós. Amor de um Pai que nos aceita como somos - incluindo todos os nossos piores traços de personalidade e pecados ocultos.

No Caminho de Cristo, não há espaço para a indiferença em relação à dor do próximo. Pois todos os mandamentos de Deus se resumem a apenas um: amar ao próximo como a nós mesmos. E o Amor, tal qual visto em Jesus, exige movimento, ação. A Vida está onde há movimento. Movimento em direção ao próximo, para fora, onde o próximo está. Seja em casa, na rua, no trabalho, na escola, na faculdade, no ônibus ou qualquer outro lugar.

A vida cristã não é o que acontece entre quatro paredes. É o que acontece lá fora. No mundo. Na existência com e no Pai. Para a liberdade foi que Cristo nos chamou (Gálatas 5) e na liberdade não há reclusão. Liberdade gera coragem de ser. De viver. De agir. De amar. Mas apenas quem se sabe totalmente aceito pelo Pai é livre para conseguir amar a si mesmo, a despeito das próprias fraquezas. Só tal pessoa, que já se sabe perdoada, consegue olhar os erros do outro, perdoá-lo e seguir com ele, em comunhão. Antes de incluir o próximo é preciso experimentar-se sendo incluído.

A boa nova é esta: "Deus, em Cristo, estava reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação" (II Coríntios 5.19, NVI). Esse é o caminho proposto por Cristo.
Rafael Rocha
rafaelrocha@portaldt.com