Evangelho em prosa: A verdadeira face


Na última semana pensei muito sobre o poder das máscaras. E também a respeito do papel que elas exercem na sociedade contemporânea. Cheguei à conclusão que é absurdamente difícil viver sem fazer uso delas. Mostrar a verdadeira face não é costume nem tarefa agradável. E infelizmente isso também é regra em nosso meio.

Dia desses fiz um desabafo no meu twitter. Disse que “quando saio de casa para ir a algum lugar encontrar um amigo minha motivação é sempre o encontro, nunca o local. Então meus amigos só devem me chamar pra sair se a motivação também for o encontro. Caso contrário, prefiro nem ser lembrado”. A tag usada foi #de-cisão. Cisão = rompimento = separação.

É triste ver nas pessoas que se dizem amigas a falta de motivação para o encontro humano. É inegável nos evangelhos que Jesus se motivava pelo humano. Ele não ia à sinagoga pela sinagoga, mas por causa das pessoas que estariam lá. Para discutir com elas, ensiná-las e – o mais importante – manifestar Amor. Cristo não tinha imagem pública a preservar. Ia a festas, onde o humano se encontrava em suas mais diversas faces: bêbados, prostitutas, mentirosos, idólatras. Misturava-se. Dissolvia-se na escuridão... a fim de ser Luz onde essa é necessária. Ninguém precisa de uma lâmpada enquanto há sol.

Veja bem: o encontro humano O motivava. Ele não fazia shows quando as multidões o seguiam. Apenas demonstrava o Amor do Pai. Hoje, no meio cristão, o lugar central, que antes era ocupado pelo próximo, foi transferido para as plataformas. Ministros, líderes, moveres, unções. E o outro? Se ele estiver à minha frente, impedindo-me de ver quem segura o microfone no palco, adoto a tática dos empurrões e pontapés. Simples! Ele – o ser-humano – não importa. O foco é o animador de auditório. Aquele que fará a massa gritar, pular, sorrir, chorar. Sobra emoção. Falta razão. Nem sempre há espaço para o Amor.

O medo do que o outro vai pensar das nossas falas e atitudes tem mais poder do que o que Jesus ensinou. Principalmente se, na “igreja”, esse outro for hierarquicamente superior. Contraditório isso, já que Jesus nos orientou o caminho da humilhação. A ação de ocupar os últimos lugares. Mesmo que seja na noção de respeito que o outro nutre por nós.

Ser de Cristo pode implicar em ser considerado por muitos como anti-Cristo. Amar como Jesus ensinou muitas vezes significa ser mal visto. Desfazer-se das máscaras e mostrar a verdadeira face exige disposição para ceder o outro lado do rosto quando o primeiro for atacado. Motivar-se no encontro com o humano – e não no encontro com a plataforma onde os “espirituais” se estabelecem – muitas vezes é visto como o maior erro.

Na inversão de valores proposta frequentemente no meio cristão, o Amor pode ser visto como um dos maiores pecados. É arriscado. É difícil. E machuca. É necessário ter disposição para a sensação de solidão que nos visita nos mais diversos pontos da caminhada. Nadar contra a correnteza exige muito mais fôlego e preparo.

Aos que querem seguir a Cristo – e não à religião, deixo alguns conselhos: acostumem-se desde já com os últimos lugares. Aceitem o desafio de não ter a melhor imagem. Quando os lobos vestem uma fantasia mal-feita de ovelha, o feio se torna maioria. E a pura lã da ovelha passa a ser exceção. Com isso, as ovelhas se tornam “o estranho”. Em terra de lobos travestidos de ovelhas, quem tem lã de ovelha corre sempre o risco de ser visto como lobo.

Rafael Rocha
rafaelrocha@portaldt.com